Transformações organizacionais na área da saúde: o papel da gestão de mudanças

Transformações organizacionais na área da saúde: o papel da gestão de mudanças

Foto por Hush Naidoo (via Unsplash)
Texto por Roseane Ramos, sócia diretora na Agência Sabiá e conselheira do Unicamp Ventures.

Inovação = tecnologia + mobilização

Automação, inteligência artificial, robótica, internet das coisas e hiperconectividade são termos usualmente relacionados a avanços tecnológicos com potencial de acelerar dramaticamente a velocidade das mudanças e as inovações nos negócios. Em diversos mercados, a revolução digital já é parte inerente dos diferenciais competitivos das empresas e traz consigo entrantes disruptivos. Mas a tecnologia não é disruptiva por si só. Ela precisa ser implantada pelas equipes e adotada pelos clientes. Isso depende de uma conexão muito forte entre as expectativas das pessoas e a satisfação real de suas necessidades. Introduzo, com isso, a importância da conexão multidisciplinar e da empatia humana como fatores-chave de sucesso para a inovação e o futuro dos negócios. 

Permita que me apresente. Filha de professores, fiz COTUCA e me formei pela FEA. Sou poeta e fui assídua frequentadora do IEL. Tenho grandes amigos no IA, no IMECC e na Agrícola. Empreendo na área de Marketing e venho escrever sobre minha experiência na inovação organizacional de clientes do setor de saúde. Os elementos do meu background que me permitem navegar por esses corredores não estão no currículo acadêmico nem no LinkedIn. Estão no entusiasmo humano e na curiosidade genuína pelo que nos motiva a conectarnos, a criarmos, a nos mobilizarmos e inovarmos juntos. E é esse link inerente às transformações humanas, a união bem-sucedida entre a tecnologia e as inspirações, que trago na abordagem deste artigo.

A digitalização acelerada no setor da saúde

O impacto da evolução tecnológica não tem a mesma força e velocidade em todas as indústrias. Ele varia sobretudo pela força da adoção de novos modelos por consumidores e clientes. Assim, a disrupção digital começou antes em negócios B2C, chegando depois aos modelos B2B. Em 2017, o Global Center for Digital Business Transformation representou graficamente a digitalização em diferentes indústrias como um vortex. Mais ao centro, estavam setores como mídia e entretenimento, varejo, serviços financeiros e telecom. Num segundo grupo, estavam os mercados de bens de consumo, os serviços de educação, e a manufatura. Ainda mais distante do centro do vortex, estava representado o impacto nos segmentos imobiliário, de energia, e nos serviços de saúde/setor farmacêutico. Há apenas três anos, essa representação trazia o setor da saúde na penúltima posição entre todos os segmentos do mercado como foco da disrupção tecnológica. 

Apesar de não estar, até então, no centro do vortex da disrupção, a inovação sempre fez parte dos negócios das empresas da área da saúde. Fabricantes de equipamentos e dispositivos, empresas de fármacos, laboratórios e hospitais contam com a pesquisa e a tecnologia como diferenciais estratégicos, e com a inteligência de dados para traquear informações de pacientes, para gerenciar de forma mais eficiente seus processos, para agendar seus serviços, para lançar novas opções de diagnóstico e tratamento e para se manterem relevantes no mercado. Artigos científicos e cursos de especialização na área médica são abundantes há tempos. 

De 2017 para cá, entretanto, o mercado tem experimentado uma aceleração nos fluxos de inovação, o que nos faz repensar sua posição no vortex da disrupção. Em uma pesquisa do Gartner em 2019, 63% dos provedores de soluções da saúde já tinham experimentado grandes disrupções em função de novas demandas dos clientes ou mudanças organizacionais internas, tais como pressão por custos, regulações e compliance, necessidades de captação de fundos, novas formas de cobrança. E apenas 22% das empresas participantes desse estudo se sentiam preparadas para esse novo normal.

Com a digitalização de produtos e processos mudando de forma drástica o jogo para todos, as expectativas dos clientes do setor de saúde se ampliam, e empresas mais ágeis para inovar ganham espaço. Com o propósito de trabalhar com o cliente no centro das decisões, as empresas da saúde têm buscado como integrar as mais novas tecnologias aos seus modelos de negócio preexistentes, otimizando suas infraestruturas de TI para melhorar o serviço prestado. A tecnologia digital se torna um elemento estratégico para as empresas desse mercado, que enfrentam desafios, como ambientes permeados por sistemas legados, talentos que não são nativos digitais e lideranças que nem sempre dão prioridade ao tema.

É verdade que a jornada de digitalização na saúde vinha avançando cada vez mais rápido, mas ainda sem um amplo senso de urgência. Até que a Covid-19 forçou a digitalização e a adoção imediata de práticas disruptivas. Isso se deu em decorrência das restrições no acesso físico aos hospitais por pacientes de outras doenças e por representantes comerciais. Da noite para o dia, foi preciso garantir informações confiáveis, integradas e em tempo real entre múltiplos atores do ecossistema. Ao mesmo tempo, tornou-se crítica a predição da demanda por suprimentos. Adicionalmente, o mercado enfrenta a necessidade urgente de novas formas de diagnóstico e protocolos de tratamento e prevenção. As relações entre as diferentes áreas da saúde têm passado por uma reinvenção abrupta: novos canais de comunicação foram estabelecidos, maior inteligência de dados foi incorporada, iniciativas de colaboração mais robustas ganharam espaço.

Essa revolução traz consigo elementos que vieram para ficar, e não há mais tempo a perder para evoluir nas práticas de inovação e na digitalização dos negócios. Faz-se essencial contar com os recursos tecnológicos e, sobremaneira, com uma cultura organizacional preparada para se reinventar.

Cultura de inovação: preparando as pessoas para o novo

Há cerca de seis anos, tenho trabalhado direta ou indiretamente com diferentes empresas do setor da saúde. São alguns clientes de minha empresa, como Grupo Fleury, HCor, BD, Roche Diagnóstica, e outras tantas empresas com as quais falei, como Pfizer, Sírio-Libanês e diversas healthtechs. 

A digitalização tem papel fundamental nas estratégias de futuro de todas elas, cada uma em seu ritmo. As investigações científicas e centros de estudos de protocolos médicos mantêm seu espaço de relevância, e é crescente a incorporação de frameworks estratégicos que apresentam para todos os colaboradores o papel da inovação como diferencial competitivo. Empresas com DNA inovador já presente em suas soluções internas ampliam seu olhar para novas plataformas multicanal de relacionamento com clientes. Hospitais constituem labs de inovação colaborativa outside-in com startups. Labs de tecnologia e comitês de transformação digital são estruturados e a incorporação de processos ágeis entra na agenda dos executivos sêniores.

Em todas essas empresas, vi um elemento-chave para o sucesso da jornada: as pessoas. O diferencial está nos colaboradores e na sua preparação para evoluir e mudar práticas antes consideradas bem-sucedidas, mas já insuficientes, para garantir a sustentabilidade do sucesso no futuro. Minha abordagem com essas corporações, que gostaria de compartilhar aqui, deriva de práticas de gestão de mudanças, sobretudo seguindo metodologias da Prosci.

Preparar as pessoas para novos comportamentos é tão essencial como vantagem competitiva quanto contar com equipamentos tecnológicos de ponta. E a Prosci propõe um framework simples para facilitar esse processo de evolução. Afinal, são as mudanças nas pessoas como indivíduos que promovem as mudanças nas organizações. Esse framework é chamado ADKAR, e prevê cinco etapas para a mudança individual, simbolizadas pelo acrônimo. São elas:

Etapas da mudança Percepção dos colaboradores
A Awareness / Consciência Estou ciente do que está mudando.

Entendo o motivo da mudança e como ela me impacta.

D Desire / Desejo Quero apoiar a mudança.

Quero participar do novo modelo. Estou engajado.

K Knowledge / Conhecimento Sei como agir no novo modelo.

Sei como aplicar novos comportamentos e conhecimentos.

A Ability / Habilidade Implemento a mudança.

Atuo de uma nova forma.

R Reinforcement / Reforço Sustento a mudança.

Reforço a cultura do novo.

Prosci®  ADKAR®  Model

Ainda segundo a Prosci, há um conjunto de práticas mais adequadas a endereçar cada uma das fases da mudança. Tais práticas são apresentadas na tabela a seguir:

Comunicação Integrada Participação da Liderança / Sponsor Gestão de Resistências Programas de Treinamento Programas de Coaching
A X X X
D X X X
K X X
A X X
R X X X

 

Uma efetiva gestão de mudanças pode, de fato, ampliar o sucesso das iniciativas de transformação. Em benchmark da Prosci com mais de 240 executivos de empresas em todo o mundo, evidenciou-se que as empresas com alta maturidade em práticas de gestão de mudanças têm seis vezes mais chances de atender ou superar seus objetivos de negócios quando comparadas a empresas que não aplicam tais práticas.

Esse framework permite apoiar e empoderar os times na incorporação de novas ideias oriundas em diferentes áreas, dentro e fora das organizações. Com ele, torna-se possível ampliar o foco das equipes na superação das expectativas dos clientes, em vez de estarem focados em produtos ou soluções de prateleira. O modelo permite, ainda, ampliar a visão coletiva de um sonho grande, a abertura ao aprendizado, o interesse em experimentar e potencializar a inteligência de dados. Faz-se presente a capacidade de trabalhar em conjunto com colegas de diferentes especialidades, venham eles das ciências biológicas, da engenharia, das artes.

O compromisso da alta liderança é essencial para o sucesso da implantação de uma abordagem de gestão de mudanças nas iniciativas de transformação das empresas, e na área da saúde não é diferente. Contar com uma visão clara de que a digitalização e aceleração da inovação centrada no cliente é um caminho sem volta, ter uma comunicação eficiente e inclusiva com todos os colaboradores e, sobretudo, contar com empatia humana para incorporar as pessoas nessa jornada são elementos fundamentais para o êxito.

Por fim, deixo um convite para ampliar essa conversa com a comunidade Unicamp, equipe Inova e Unicamp Ventures. No dia 27 de agosto, das 10 às 12 horas, teremos um webinar com diversos representantes do ecossistema de inovação na saúde, com inscrição gratuita. Além do webinar, coloco-me à disposição para compartilhar e cocriar sobre nossa jornada de evolução pelo e-mail rose@agenciasabiacom.br.

 

Fontes:

https://seekingalpha.com/article/4248384-digital-disruptions-moats-in-age-of-disruptions

https://www.mckinsey.com/industries/pharmaceuticals-and-medical-products/our-insights/how-medical-device-ceos-can-navigate-digital-disruption-in-healthcare

https://www.mckinsey.com/business-functions/mckinsey-digital/our-insights/four-keys-to-successful-digital-transformations-in-healthcare

https://www.gartner.com/en/industries/healthcare-providers-digital-transformation

https://executive.mit.edu/blog/how-to-cultivate-an-innovation-mindset