Investimento-anjo: motivações para se envolver e por onde começar

Investimento-anjo: motivações para se envolver e por onde começar

Foto por Frank Busch (via Unsplash)

Texto por Roseane Ramos, sócia diretora na Agência Sabiá, investidora-anjo e conselheira do Unicamp Ventures.

Uma jornada em evolução

Startups são novas empresas no mercado, em geral fundamentadas em tecnologia e com grande potencial de escala. Como qualquer nova empresa, partem de diferenciais originados com seus fundadores empreendedores: a estruturação de um portfólio de soluções alinhado às necessidades de seu mercado e um time forte que opera bem em conjunto. Para crescer em ritmo acelerado, entretanto, as startups precisam também de acesso a capital e da ampliação de seu network e expertise de mercado. E essas são as principais ofertas dos investidores-anjos.

Comecei a me envolver com o tema de investimento-anjo em 2014. Tendo recém concluído meu MBA pelo IESE, preparei com um grupo desse network um projeto de estruturação de uma rede de investimentos aliada a um portfólio de soluções de suporte às conexões empreendedoras da escola. O projeto foi aprovado pelo Xcala e a escola seguiu com a iniciativa, chamada EMPRESE. Voltei a participar do ecossistema em 2019 ainda com o IESE, com a estruturação da rede iAngels. Nesse momento, busquei formação no tema por cursos de especialização e pela participação em eventos do ecossistema e, a partir dessa experiência, tive a oportunidade de me conectar a 19 lideranças de redes-anjo no Brasil. Desde então, fiz meu primeiro investimento-anjo e hoje apoio na estruturação da nova rede de investidores do network da Unicamp, a Uni Angels

Neste artigo, gostaria de compartilhar com os leitores que principiam no tema alguns aprendizados simples, mas úteis com os quais tive contato ao longo de minha iniciante jornada.

Conceitos gerais de um ecossistema em ascensão

Segundo pesquisa realizada pela rede Anjos do Brasil, o valor aportado anualmente por investidores-anjo no Brasil mais do que dobrou na última década, passando de 450 milhões reais para mais de um bilhão ao fim de 2019. São mais de 8.200 investidores, com investimento médio de R$129 mil ao ano.

Da mesma forma que o número de investidores aumenta, também é crescente o número de startups no Brasil. Até o fim de 2019, havia 12.655 startups no país, três vezes mais que em 2015, segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups).

Em geral, o investimento-anjo é aportado quando o modelo de negócio já está estruturado e o MVP testado, mas ainda numa fase bem inicial da empresa. Até esse ponto, a empresa já evoluiu da etapa de ideação, com investimento de familiares e amigos ou bootstrapping e muitas vezes com o apoio de incubadoras, aceleradoras ou outras estruturas voltadas aos primeiros passos do negócio. 

O valor de investimento-anjo buscado por startup varia em média de R$ 150 mil a R$ 1,5 milhão e em geral é composto por um grupo de investidores.

O investimento-anjo faz parte da fase de captação chamada Seed, na qual o capital é empregado para melhor desenvolver o modelo de negócio e/ou suas tecnologias, para ampliar o time e capacidade de escala. Espera-se que esse investimento, alinhado ao apoio intelectual e de network dos investidores (por isso, nomeando a modalidade de Smart Money), possa levar a startup a um próximo nível de captação, o investimento então chamado de Série A, em que os principais atores são fundos de Venture Capital

Fase Ideia – MVP MVP – Tração Tração – Escala Escala sustentável
Apoio Incubadoras e Aceleradoras Anjos e Aceleradoras Consultorias e equipe interna
Capital Bootstrap,

Family & Friends

e editais 

Seed até Série A  (Anjos, crowdfunding e VCs corporativos) Séries A, B, C

(Venture Capital, Private Equity, bancos)

IPO 

(Initial Public Offering) e Follow-on

 

Motivações para investir e ser investido

Há diversas razões para que startups e investidores participem do ecossistema anjo. Listo a seguir algumas delas, com base no que tenho vivido, visto e ouvido:

Investidor-anjo  Empreendedor de startup
Capital e Retorno Tem recursos a dedicar a esse modelo de investimento, buscando diversificar seu portfólio financeiro em risco e rentabilidade, visando uma alta lucratividade na saída. Demanda capital para avançar seu negócio e visa levar sua empresa aos próximos níveis de captação e resultados.
Conhecimento e Network Quer ampliar seu conhecimento em novas práticas e segmentos de negócios “do futuro”, além de se aproximar do network investidor. Deseja contribuir com sua experiência e knowhow. Busca uma rede de investidores com conhecimentos e networks complementares.
Propósito Busca apoiar atividades empreendedoras que gerem impacto positivo à sociedade. Desenvolve modelos de negócio capazes de impactar a sociedade.
Imagem Fazer parte do ecossistema hoje é visto de forma positiva em seu entorno pessoal e profissional. Contar com investidores-anjos no portfólio respalda a credibilidade no modelo de negócio.

 

Dicas para começar bem

É interessante perceber que a parceria do investidor-anjo com os empreendedores começa com ambos pensando em seu fim, idealmente bem sucedido, com uma potencial saída/venda da participação dos anjos para o futuro investidor, por um múltiplo do investimento inicial. Para que essas relações sejam positivas em toda a sua trajetória, é importante que ambos os atores principais levem em consideração alguns elementos de sucesso para a sustentabilidade dessas parcerias.
 

Empreendedores:

 

Conte com um time forte e dedique-se:

  • Um dos principais elementos de decisão positiva ou negativa dos investidores será o grau de confiança que percebem ter em você, como líder, e em sua equipe. O background de vocês, um relacionamento saudável e o fit do conhecimento com os negócios será posto à prova nas etapas de avaliação de seu negócio.
  • Equilibre seu tempo: vários investidores esperarão que os empreendedores se dediquem ao negócio, em vez de levá-lo de forma parcial, concorrendo em tempo com outras atividades. Considere que o primeiro a investir no seu plano seja realmente você.

 

Posicione-se para vencer:

  • Entenda seu mercado e conheça a fundo suas necessidades, buscando atendê-las efetivamente com as soluções de seu portfólio. Isso inclui ser capaz de sonhar e acreditar numa solução grande e também de fazê-la acontecer com provas tangíveis.
  • Modele seu negócio para o futuro: tenha bons planejamentos para sua estrutura financeira e de operação tanto para curto quanto para médio e longo prazos, realizando modelagens e testes de sensibilidade e hipóteses que possam ampliar a confiança de seus investidores na sua capacidade de gestão e permitam que você ajuste sua estrutura à medida que as condições vislumbradas se confirmem ou novas condições surjam.

 

Prepare-se para captar:

  • Entenda o volume financeiro necessário para essa fase de captação, considerando que sua operação deverá ter caixa suficiente para chegar até uma próxima rodada de investimentos. Considere que cada rodada de captação levará ao menos seis meses para ser efetivada, e que você não deveria sair em nova captação em menos de 18 meses, pois captar toma tempo e espera-se que seu tempo para gerenciar o negócio esteja disponível para entregar o que se comprometeu a fazer com os primeiros investidores.
  • Mapeie o perfil de smart money que você busca, além do volume financeiro buscado. Há diversos perfis de investidores em relação a conhecimento, cultura e network, e ter clareza do perfil que você busca ou não é a chave para otimizar a procura nos grupos e nas redes certas.
  • Estruture seu pitch com consistência, contendo no mínimo as informações de necessidade e tamanho do mercado, definição da solução, resultados obtidos até aqui, roadmap de evolução, equipe envolvida, volume a captar e valuation, uso previsto do capital. Torne seu pitch atraente em estrutura e forma e prepare-se para entregá-lo em diferentes tempos, para diferentes audiências. Treine e prepare-se para responder a perguntas difíceis com a verdade. 
  • Prospecte e faça muitos pitches. E trate cada um com atenção e energia como se fosse a única oportunidade.

 

Celebre e entregue:

  • A conquista do esperado investimento é uma vitória a ser celebrada. Tanto com o seu time quanto com os investidores e a rede de apoio que apostou em você. Celebrem!
  • E saiba que a captação é só mais um passo na conquista dos resultados que você se propõe a obter. Chegar às projeções planejadas irá requerer bastante trabalho, com consistência e disciplina. Siga com seu bom trabalho e, ao longo da trajetória, mantenha seus investidores envolvidos na medida correta (o responsável pelo negócio e suas decisões segue sendo você) com as informações necessárias segundo bons combinados de estrutura e frequência. Havendo desvios, não esconda. E peça ajuda de forma estruturada quando necessário: knowhow, contatos, etc.

 

Investidores:

 

O investimento faz parte de uma modalidade de alto risco (apenas 10-20% das startups têm um “exit” bem sucedido). Portanto: 

  • Saiba que você e só você é responsável pela decisão de investir e sob quais condições.
  • Planeje seu portfólio: recomenda-se restringir o investimento a cerca de 10% de seu capital e diversificar esse montante em ao menos 10 startups ao longo de um a três anos. Por exemplo: para um patrimônio de R$ 2 milhões, o usual é que se aplique até R$ 200 mil na modalidade anjo. O valor a aportar, por startup, terá uma média de R$ 15 – 40 mil.
  • Busque um alto potencial de retorno no conjunto dos investimentos (em geral, espera-se um TIR de carteira > 60-80% anual, com retorno de seis a dez vezes em cerca de quatro a seis anos).

 

Entenda seu valor e o valor que você busca:

  • Estruture sua tese de investimento: segmentos de mercado que você domina ou sobre os quais deseja aprender, causas com as quais você se identifica, requisitos não negociáveis de um plano de negócios ou do perfil dos empreendedores.
  • Conheça seus diferenciais Smart: compreenda o que suas experiências profissionais e de vida têm a aportar para os diferentes negócios nos quais for investir. Entenda de que maneira seu network pode ser parte de seu aporte de valor para potencializar os resultados para as empresas e, como consequência, para você.

 

Dimensione seu tempo:

  • Prepare-se para participar de vários pitches para escolher as startups com maior aderência ao que você busca e se envolva no processo de avaliação pós-pitch (due dilligence).
  • Reserve tempo para se dedicar à gestão de seu portfólio, levando em conta que não deverá interferir na gestão das empresas, apenas apoiar quando solicitado e seguindo seu papel acordado (fazendo parte de um conselho, por exemplo).

 

Aprenda sempre:

  • Busque o conhecimento em pessoas de sua confiança com mais experiência que você. Participe de redes de investimento-anjo que facilitarão uma primeira fase de seleção de negócios potenciais, facilitarão a troca de informações e aprendizagens e lhe permitirão coinvestir, ou seja, compor tickets de investimento coletivos para chegar ao valor buscado pelas startups que você se interessar. 
  • Conte com profissionais que lhe apoiem em temas que você porventura domine menos mas que são chaves para bons negócios: a tecnologia ou o mercado em questão, os modelos financeiros, os requisitos jurídicos para estabelecer bons contratos.
  • Tenha em mente que o mercado é relativamente novo e está amadurecendo. Muitos dos aprendizados serão inéditos e só serão possíveis na prática.

 

Por fim, deixo um convite para ampliar essa conversa com a comunidade Unicamp, equipe Inova e Unicamp Ventures. No dia 24 de setembro, das 10 às 12 horas, teremos um webinar com diversos representantes do ecossistema de investimentos, com inscrição gratuita. Além do webinar, coloco-me à disposição para compartilhar aprendizagens sobre o tema pelo e-mail rose@agenciasabiacom.br.

Fontes: